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sábado, 15 de fevereiro de 2014

Música difícil de entender

Música difícil de entender

Por Cezar Brites


Assistindo a um show, outro dia, o artista comentou porque a música gaúcha não ganha espaço na grande mídia brasileira (indústria cultural). A resposta, dada por ele mesmo foi: é uma música que poucos podem entender, pois tem um linguajar próprio do sul riograndense, vinculada muito à cultura gaúcha. Embora ela, a música,  falasse de coisas universais o vocábulo usado é de conhecimento só de quem vive na região sul.

Eu vou além. Não é só isso não! Trata-se de uma música singular. Suas "imagens", "símbolos", vão além do conhecimento comum (ou senso comum). É necessário um pouco mais de bagagem informacional, ou, de estudo e leitura.

Veja um exemplo: agora a pouco, eu estava em um estúdio de gravação,  acompanhando a cantora Milena Belladona, de São Borja. Ela estava gravando dois sambas de autoria do Norinaldo Tavares. Na primeira estrofe - o samba tem apenas três - o compositor faz alusão à mitologia e aos filósofos gregos, bem como uma crítica literária a um escritor atual. Trata-se de uma música linda (não só pela voz doce da Milena, mas pela proposta do compositor). No entanto, confesso que é uma música que exige do ouvinte um punhado de leitura preparatória, para então entender a proposta do artista.

Claro que seria muito mais fácil escrever apenas um refrão ("lek lek lek"), mas, será que uma canção pode oferecer só isso?

Vamos a outro exemplo: há um tempo, quando os celulares permitiram que seus proprietários pudessem personalizar o toque de chamada, lá por 2005, ouvi "Bolero", de Ravel. Na época, os toques mais pareciam um teclado de criança brincar.  Achei estranho. Pois, aquele toque musical destruiu completamente com a proposta do compositor.

Como assim? A música tem 14 minutos (tem uma versão com 17) e, além disso, ela é singular pois tem apenas um único movimento. Sim, isso mesmo! Mas um único movimento que vai aos pouco numa crescente, em que cada instrumento da orquestra vai sendo acrescentado aos poucos, e com isso, vai arrebatando  o ouvinte, até chegar a um grande clímax! Então, quando a ouvi tocar no celular, como se fosse a música do entregador de gás, entendi o que é popularizar um clássico, isto é, tirar dela seu grande valor, que é: o envolvimento, aos poucos, do ouvinte. A música original é como ser levado, pela mão pelo compositor, por um passeio por todos os instrumentos musicais. Prazer que jamais teríamos ouvindo-a em apenas uma chamadinha no celular.

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